20 de março de 2009

A insustentável leveza do ser

"Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso o que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo 'esboço' não é a palavra certa, porque um esboço é sempre o projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro".

KUNDERA, Milan. A Insustentável Leveza do Ser, 1983.

3 de março de 2009

Homem no escuro

"Uma manhã, na primavera de 1987, sua empregada me telefonou num estado de quase-histeria. Tinha acabado de entrar no apartamento de Betty, usando a chave que recebera para a limpeza semanal, e encontrou minha irmã deitada na cama. Peguei emprestado o carro do vizinho, dirigi até Nova Jersey e identifiquei o corpo para a polícia. O choque de ver Betty daquele jeito: tão imóvel, tão longe, tão terrivelmente, terrivelmente morta. Quando me perguntaram se eu queria que o hospital fizesse uma autópsia, respondi que não precisava. Só havia duas possibilidades. Ou seu corpo tinha parado de funcionar, ou Betty tinha tomado pílulas, e eu não queria saber a resposta, pois nenhuma das duas coisas contaria a história verdadeira. Betty morreu porque estava com o coração partido. Algumas pessoas riem quando escutam essa frase, mas isso é porque elas não conhecem nada do mundo. Pessoas morrem porque estão com o coração partido. Acontece todo dia e vai continuar a acontecer, até o fim dos tempos".

AUSTER, Paul. Homem no Escuro, Companhia das Letras, 2008.