27 de julho de 2009

That Sacred Closet Entitled Memory

"That sacred Closet when you sweep -
Entitled 'Memory' -
Select a reverential Broom -
And do it silently.

'Twill be a Labor of surprise -
Besides Identity
Of other Interlocutors
A probability.

August the Dust of that Domain -
Unchallenged - let it lie -
You cannot supersede itself
But it can silence you -"

"Ao varrer o sagrado desvão
Denominado Memória,
Escolhe uma vassoura reverente
E faz em silêncio teu trabalho.

Será um labor de surpresas -
Além da própria identidade,
Outros interlocutores
São uma possibilidade.

Nesses domínios é nobre a poeira,
Deixe que repouse intocada -
Não tens como removê-la,
Mas ela pode silenciar-te."

DICKINSON, Emily. 1830-1886. Poemas escolhidos / Emily Dickinson; tradução de Ivo Bender. - Porto Alegre: L&PM, 2007.

19 de julho de 2009

A Morte de Ivan Ilitch

"Era de manhã. Ele sabia que era de manhã unicamente porque Guerássim se fora e o criado Piotr viera apagar as velas, levantar as cortinas e silenciosamente começar a arrumação do quarto. Fosse manhã ou noite, sexta-feira ou domingo, não haveria diferença, tudo era igual para Ivan Ilitch: a dor surda, implacável, incessante; a sensação de que a vida não parava de fugir; a certeza de que a odiosa e temida morte se aproximava como a única realidade; e sempre a mesma mentira. Que importância tinham, portanto, as semanas, os dias, as horas?".

TOLSTOI, Liev. 1828-1910. A Morte de Ivan Ilitch. Rússia, 1886.

11 de julho de 2009

Como Vivem Os Mortos

"Sempre tive talento para a histeria, para ultrapassar a negra borda de um humor, mas esta negra borda é tão maior. É um Niágara, sugando para dentro dela toda a água da minha vida. Sinto-me como deve se sentir a vítima de um ataque cardíaco - metade de meu mundo se foi. Metade daquela jarra plástica de água; metade daquela caixa de Kleenex; metade já meio comida daquela porra daquele bolo Battenberg que a tarada da minha filha me trouxe ontem à tarde; metade daquele lenço de papel amassado; daquele lápis Staedtler HB; daquele grão de poeira. Pela primeira vez na minha vida posso sentir, inteira e incontrovertidamente, o que é não ser eu. Como é ser eu me sentindo não eu. É tão solitário. Tão fodidamente solitário. Quem haveria de pensar que eu, que levei uma vida que conheceu tanta solidão, tenha agora de encarar a solidão da morte? Sou soluçada por ataques. Ah, meu eu - por que me abandonaste?"

SELF, Will. Como vivem os mortos / Will Self; tradução de José Rubens Siqueira. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2005.

4 de julho de 2009

Armance

"Nunca Otávio se encontrara numa posição tão fatal aos seus juramentos contra o amor. Julgava ter brincado, como de costume, com Armance, e a brincadeira tomara de repente uma feição grave e imprevista. Sentia-se arrastado, já não raciocinava, estava no cúmulo da felicidade. Foi um desses rápidos instantes em que o acaso algumas vezes concede, para a compensação de tantos males, às almas destinadas a padecer com energia. A vida comprime-se nos corações, o amor faz esquecer tudo quanto não é divino como ele, e vive-se mais nalguns instantes do que durante longos períodos."

STENDHAL. 1783-1842. Armance. França: 1827.